quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Cora Coralina

Cora Coralina

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Cora Coralina  (Outubro, 1981) 

Todas as VidasVive dentro de mim 
uma cabocla velha 
de mau-olhado, 
acocorada ao pé 
do borralho, 
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço... 
Ogum. Orixá. 
Macumba, terreiro. 
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho. 
Seu cheiro gostoso 
d'água e sabão. 
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa, 
pedra de anil.
Sua coroa verde 
de São-caetano.
Vive dentro de mim 
a mulher cozinheira. 
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro. 
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco. 
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim 
a mulher do povo. 
Bem proletária. 
Bem linguaruda, 
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha, 
e filharada. 
Vive dentro de mim
a mulher roceira. 
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira. 
Madrugadeira. 
Analfabeta. 
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos, 
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida. 
Minha irmãzinha... 
tão desprezada, 
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado. 
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida - 
a vida mera 
das obscuras!
Cora Coralina

Nenhum comentário: